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Quando um hamburger não é tão óbvio

Vou confessar que ter que explicar coisas óbvias para alguém me dá uma certa preguiça. E quando essa preguiça é vencida e mesmo assim o outro lado não entende, me dá uma certa irritação. Eu sei que cada um tem sua história de vida e seus conhecimentos, mas nunca imaginei encontrar dificuldade para alguém entender o hamburger com batata frita que está no cardápio.

Eu estava em Bali, uma das ilhas da Indonésia, e no meio da minha volta ao mundo. A cada 2 ou 3 dias eu tirava uma manhã ou uma tarde para por a vida em ordem – pagar cartão de crédito, colocar a caixa de emails em dia, escrever no blog entre outras coisas.

A pousadinha que eu estava hospedada em Uluwatu era ótima para isso. Tinha umas mesinhas do restaurante que ficavam à sombra de guarda-sóis rústicos, em frente à piscina e com vista para o mar (mesmo que um pouco longe). Quando o calor apertava eu dava um mergulho pra refrescar e voltava ao trabalho. E ainda tinha tomada e wi-fi.  Tudo muito simples, mas o que eu precisava além disso?

Bali_uluwatu host
Um dos meus almoços na beira da piscina

Já tinha uns 15 dias que estava rodando pelo país e quase um mês de sudeste asiático. Overdose de fried rice e fried noodles no almoço e janta (não é uma reclamação. Adoro esses pratos!) e resolvi pedir algo mais ocidental só para variar um pouco.

A pousada era pequenininha. O dono balinês, assim como todos os funcionários. Não era um hotel com bandeira conhecida, não era um lugar com um gestor europeu, não era nem um lugar cheio de gringos. Era um lugar daqueles que a gente se sente em casa, que o dono senta na sua mesa e explica como chegar na praia, que os funcionários te chamam pelo nome.

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Enfim, peguei o cardápio (em inglês) e dentre as diversas opções balinesas, indonésias e asiáticas, encontrei um hamburger com batata frita. O que podia dar errado? Chamei o garçom e fiz o pedido, mostrando no cardápio para evitar qualquer problema (é sempre bom, né?). Ele ainda perguntou se eu queria o hamburger com salada e disse que sim.

Logo chegou meu prato. Estava bonito, mas percebi que algo estava errado. Ri sozinha, desacretidata que isso realmente estava acontecendo. Chamei o garçom.

– Moço, está faltando o hamburger.

– É porque você pediu hamburger com salada.

– Sim, mas tem só pão e salada. Não tem carne?

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– Você quer que coloque carne também?

– Sim.

– Não tem problema. Vou pedir para colocar.

É isso mesmo. Quando eu disse que queria salada, ele trocou a carne pelas folhas. O garçom pegou meu prato e levou para cozinha. Pouco depois trouxe de volta, dessa vez o hamburger tinha hamburger.

Eu ainda passei um tempo rindo sozinha. Onde nesse mundo as pessoas servem hamburger sem hamburger? Não faz sentido. É como hot dog sem salsicha, feijoada sem feijão ou macarronada sem macarrão. Sabe onde nesse mundo é servido um hamburger sem hamburger? Em Bali, no pequeno restaurante de uma pousadinha local em Uluwatu em que todos os funcionários são balineses.

A ficha demorou pra cair. Um hamburger (o sanduíche) só é hamburger porque tem pão e hamburger (seja de carne, de frango, vegetariano ou do que você quiser), óbvio não? Sim, óbvio pra mim, pra você e, provavelmente, para a grande maioria dos ocidentais. Nós crescemos com essa grande influência americana, vendo propagandas de hamburger no mercado e na tv. Eu vibrava quando criança todas as sextas-feiras, porque era o dia que minha mãe me levava para jantar no Mc Donalds. E as vezes eu enfio o pé na jaca e peço hamburger, batata frita e milkshake no almoço só porque deu vontade.

Mas será que isso é óbvio para aquele balinês? Para quem cresceu em um pequeno vilarejo sem grandes lojas e marcas? Para quem come a tradicional refeição balinesa todos os dias, desde que nasceu? Para quem nunca comeu um hamburger?

Vale dizer: parece que as grandes marcas mundiais não descobriram algumas regiões de Bali. Ou não tiveram permissão para entrar. As lojas vendem artesanatos, produtos locais ou até revendem coisas de marca, mas não tem loja da Nike, loja da Michael Kors ou loja da Oakley. Os restaurantes servem comida local e você até acha pizza e burger em locais turísticos, mas não tem Mc Donalds, não tem Pizza Hut, não tem Burger King. E não precisa. Essa é a graça do lugar.

Talvez saber o que tem dentro de hamburger para ele seja tão óbvio quanto saber o que tem em um nasi goreng para mim (e para você). Você não sabe o que é nasi goreng?? Mas como assim, é tão óbvio! (nasi goreng é o fried rice, arroz frito na panela wok com vegetais, carnes e uns molhos. E não, não sei te dar uma explicação melhor que isso porque não é nem um pouco óbvio para mim).

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Nasi Goreng, o tradicional fried rice

Esse hamburger estava ali no cardápio apenas para o restaurante ter uma opção ocidental, afinal, tem gente que não gosta de se aventurar na comida típica e passa uma viagem toda pelo sudeste asiático comendo hamburger, pizza e pasta (eu juro que já tentei entender quem faz isso, mas ainda não consegui). Ou tem gente que só quer variar o cardápio de vez em quando e comer algo ocidental.

Depois disso eu comecei a ponderar minha preguiça e irritação ao explicar algo óbvio (para mim) pros outros. Tudo depende muito da bagagem que cada um carrega, da história de vida e experiências. É claro que o básico de assuntos que eu tenho maior domínio são óbvios. Depois de anos trabalhando com marketing, briefing virou parte do meu vocabulário rotineiro. Depois de anos blogando, SEO também faz parte do meu dia a dia. E na era tecnológica que vivemos, “salvar na nuvem” é algo que faço constantemente e sem pensar.

É óbvio pra mim, mas não necessariamente é óbvio para os outros. E eu já me peguei falando sobre assuntos assim com a maior naturalidade enquanto o outro lado fazia cara de interrogação. E me deu preguiça de explicar o óbvio. E me irritou quando a pessoa não entendeu minha explicação supérflua de 2 minutos para um assunto que eu demorei 3 anos para entender alguma coisa.

Pois é. As vezes a gente cobra coisas dos outros que não deveríamos. E se ao invés de cobrar, a gente compartilhasse os conhecimentos? Todo mundo aprende, todo mundo ganha. Simples falar, nem tão simples por em prática. Mas de alguma forma é preciso começar.

A propósito. Que ideia foi essa de pedir hamburger em um pequeno restaurante tradicional de uma pousadinha local? Foi o pior hamburger que comi na vida. Fica a lição aprendida: no restaurante tradicional, peça pelo tradicional. Deixe o hamburger para comer na hamburgueria.

 

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