ReflexãoVolta ao Mundo

O que eu perdi mochilando

Muito se fala no quanto ganhamos durante uma viagem, mas você já parou para pensar que também é possível perder? E não estou falando das malas, passaporte ou qualquer item material. Essa foi uma reflexão que tive na minha fase depressiva pós volta ao mundo (sim, ela existe) e compartilho aqui com você, querid@ leitor@.

 

1. Perdi peso

(Foto: David Holt London via Visual Hunt / CC BY-SA)
(Foto: David Holt London via Visual Hunt / CC BY-SA)

Sim, essa foi a primeira coisa que eu percebi que perdi. E quem me conhecia também percebeu, principalmente quando cheguei no sudeste asiático. Começaram a surgir comentários nas minhas fotos do tipo “você emagreceu?”, ao invés de “onde fica esse lugar?”.

Foi estranho. Eu nunca fui a neurótica da balança, não controlava cada caloria ingerida e muito menos compensava cada pedaço de chocolate em horas na academia. Na verdade, eu nunca me importei muito em engordar ou emagrecer, em ter o peso ideal, a barriga sarada e bla bla bla (falo um pouco disso neste post), mas durante minha volta ao mundo o ponteiro da balança simplesmente começou a descer e lá se foram 5 ou 6kg em cerca de um ou dois meses. Simples assim, sem passar vontade, sem sofrimento e sem pular refeições (pelo contrário, comi muito bem por lá).

Tenho hipóteses, mas nenhuma confirmação. Pode ser uma característica da culinária asiática, talvez ela seja mais leve e menos calórica, tenha muitos vegetais e menos produtos industrializados e frituras. Pode ser o excesso de caminhadas, porque fiz muita coisa andando (meu lado mão de vaca grita para não pagar um taxi), fiz trilhas, subi escadarias e e até um vulcão. Pode ser o calor infernal e o clima extremamente úmido que me faziam transpirar horrores a cada vez que eu pensava em sair de um lugar com ar condicionado. Pode ser uma combinação de tudo isso.

E eu encontrei cada grama perdida poucos meses depois que voltei a morar em São Paulo.

 

2. Perdi medos

(Foto: VisualHunt.com)
(Foto: VisualHunt.com)

Depois de meses sozinha, longe de casa, em lugares que não conhecia ninguém e dependendo apenas de mim mesma, alguns bloqueios começam a cair. Entre erros e acertos, precisei me virar sozinha. Desconfiei das pessoas, das situações e tive receio de fazer coisas que hoje provavelmente encararia de uma forma diferente.

Fui de Bangkok, na Tailândia, para Siem Reap, no Camboja, por terra, sabendo que a corrupção rola solta na fronteira. Peguei um ônibus nada turístico dessa cidade até Phnom Penh, cheio de pessoas que me olhavam e sabiam que eu era turista. E fiz a travessia de Luang Prabang, no Laos, para Chiang Rai, na Tailândia, em 3 dias de barco. Confesso que bateu um medinho e minha primeira reação ao iniciar cada um desses trajetos foi “o que é que eu vim fazer aqui?”. No fim, todas elas se mostraram experiências incríveis, enriquecedoras e de conexão com a cultura, com pessoas e comigo mesma.

O mundo está cheio de pessoas boas. Mais do que a gente imagina. Algumas vezes me vi em situações em que foi preciso confiar em um completo desconhecido, como o dia em que eu quase perdi minha mala e peguei uma carona com um motoqueiro que eu nem sei de onde apareceu. Infelizmente, existem pessoas mal intencionadas sim, mas hoje as vejo como uma exceção à regra.

Essa vida na estrada é uma grande troca. Você inspira os viajantes que conhece por aí e se inspira em outros tantos. E de volta para casa, vejo que hoje sou muito mais confiante, acredito mais em mim mesma e algumas coisas que me tiravam o sono já não me preocupam tanto assim.

 

3. Perdi apego

(Foto credit: jcoterhals via Visual Hunt / CC BY-NC-ND)
(Foto: jcoterhals via Visual Hunt / CC BY-NC-ND)

O simples fato de viajar apenas com uma mochila já é uma lição de desapego. Até hoje as pessoas se surpreendem como eu “sobrevivi mais de 6 meses só com isso”. Nunca fui muito consumista ou super ligada em moda, mas mesmo assim foi um desafio. Durante a caminhada entendi que pode até ser legal ter aquela roupa XYZ, mas no fundo eu não preciso dela. Tive um surto em uma das lojas que entrei, mas logo sai devolvendo tudo no lugar porque não tinha onde carregar e nem queria esse peso extra nas minhas costas.

O apego alimenta a vaidade e o bom de se estar na estrada é que a gente pode ser a gente mesmo. Sem máscaras, sem se preocupar com o que os outros vão achar, sem rótulos sociais. Se quiser sair na rua de pijama, pode sair. Se quiser ir pra balada sem maquiagem, pode ir. Se sair em todas as fotos coma mesma roupa, não tem problema (não lembro onde li essa frase, mas adoro: prefiro ter fotos com roupas repetidas em lugares diferentes que fotos com roupas diferentes nos mesmos lugares). Só não vale desrespeitar as leis e os costumes locais.

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A lição começa na mala, mas o desapego não é só material. #ficaadica. Conheci pessoas sensacionais na estrada, em poucas horas parecia que nos conhecíamos há anos, mas na mesma velocidade que a viagem nos une, ela também separa e cada um segue seu rumo. Dizer adeus é um dos momentos mais difíceis para um viajante e mais uma lição de desapego que a estrada nos dá. As pessoas se vão, mas as memórias são para sempre.

Também vale desapegar do trabalho que consome seu tempo e energia, mas não te faz feliz. Vale deixar a família e os amigos por um tempinho para cuidar de você mesmo. E que tal deixar para trás a raiva, mágoas, angústias e os problemas, aceitar que o que passou não vai mudar e focar na sua vida de agora, no presente? Tirar esse peso da bagagem vai deixar sua vida muito mais leve.

Desapegar não quer dizer que você não gosta, não se importa, que esqueceu do que aconteceu ou que é egoísta. Muito pelo contrário. É você saber se relacionar com as coisas, pessoas ou sentimentos de forma saudável e equilibrada, sem excessos, sem se prender e sem exigir demais. Liberte-se!

 

4. Perdi preocupações

(Foto credit: The eclectic Oneironaut via VisualHunt.com / CC BY-NC-SA)
(Foto: The eclectic Oneironaut via VisualHunt.com / CC BY-NC-SA)

Volto a bater na tecla que na estrada podemos ser quem somos de verdade, então acabamos por baixar um pouco a guarda do “seguir padrões para ser aceito na sociedade”. Pouco importa se os outros vão me julgar pela roupa que uso ou o que vão pensar das atitudes que tenho ou das ideias que defendo, desde que eu esteja bem comigo mesma e não desrespeite a cultura local.

Outra preocupação que perdi foi a de pensar exageradamente no futuro. Encontrar histórias de vida inspiradoras, de gente que largou tudo pra trás – carreiras, estabilidade, parceiros etc – para escutar o coração e buscar o que realmente lhes faz feliz, fez com que meus questionamentos sobre o que é realmente importante, sobre o ter x ser, sobre o essencial e o supérfulo explodirem na minha cabeça. Não acho que seja errado pensar no futuro, mas não podemos viver lá, porque a vida acontece agora, no presente.

Outra mudança que percebi foi o meu relacionamento com o tempo. Eu não vivia sem um relógio de pulso, sair de casa sem era como estar nua na rua. Hoje, o meu está ali dentro da gaveta, talvez já sem bateria. Eu ainda tenho o hábito de listar as minhas metas do ano, do mês, do dia, mas minha relação com elas é muito menos neurótica. O replanejamento está aí pra isso. E continuo achando bem chato atrasos em compromissos marcados com antecedência, afinal, não acho que meu tempo vale mais do que o de qualquer outra pessoa, mas estou muito mais tolerante ao atraso dos outros. Sem neuras. Sem stress.

Esses aprendizados vieram de viagens, mas podem muito bem ser aplicados no dia a dia. Que mal há em ser eu mesma, buscar minha felicidade, viver no presente e sem a neura de prazos e entregas?

 

5. Perdi preconceitos

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(Foto: Ranoush. via Visual Hunt / CC BY-SA)

Ver conceitos que você tinha como verdade se desconstruírem é uma das coisas mais incríveis que um mochilão pode fazer. Conviver com pessoas de outros países e estar em lugares de culturas diferentes tem o poder de abrir mentes.

Um dos critérios que utilizei ao escolher os locais por onde ia passar durante minha volta ao mundo foi a religião. Tirei da minha lista todos os países mulçumanos, por ser uma mulher viajando sozinha e por pensar que seria perigoso. Na minha cabeça, a Malásia era budista, como a maioria dos países asiáticos. E, apesar de saber que a Indonésia é predominantemente mulçumana, eu tinha planos de ir apenas para Bali, que é hinduísta, mas acabei indo para Gili Islands também. E foi em uma mesa de bar, em Kuala Lumpur, conversando com um mulçumano, que eu entendi que tinha uma visão completamente errada e preconceituosa dessa religião. Uma verdade minha que se desconstruiu.

Mais importante que criar conceitos, é entender de onde vem certos comportamentos e o motivo da cultura, religião, tradição etc ser dessa forma. Ter essa compreensão não significa que você concorda, mas é preciso respeitar. A Naty, do 360 Meridianos, falou sobre relativismo cultural e explica bem esse assunto.

Se eu pudesse dar apenas um conselho para quem vai viajar, ele seria: vá com a mente aberta, sem julgamentos, mergulhe na cultura local e deixe-se surpreender.

Quer mais inspiração? Veja esse post do Foco no Mundo, que diz porque o mundo pode ser uma escola da vida.

 

Eu ainda tenho muito a perder, é um processo está em constante desenvolvimento. Então, vamos viajar mais para evoluir sempre?

 

 

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