Reflexão

Não é sobre não viajar

O corona vírus chegou chegando no Brasil e em pouco tempo derrubou o mercado de turismo aqui (do mundo todo, na verdade). Muitas viagens adiadas, cias aéreas com demandas enormes de cancelamento, atrações turísticas com as portas fechadas por tempo indeterminado. Todo o setor está sofrendo e a situação é crítica em vários sentidos. A orientação é de suspender as viagens pelos próximos meses e ficar em casa.

A gente sabe que viagens envolvem muita coisa. Todo um planejamento para decidir o lugar, para conseguir conciliar férias e um brilho nos olhos ao ver cada foto e cada comentário do destino que a gente vai, em breve, conhecer. É natural criar altas expectativas. E por isso mesmo, é frustrante ter que cancelar ou adiar tudo. Pior é não saber quando tudo isso vai se normalizar e quando poderemos retomar os planos e os sonhos de conhecer os lugares que a gente tem vontade.

Vamos analisar alguns fatos:

Janeiro de 2020. Começamos a ouvir sobre o surto de um tal corona vírus que estava causando pela China. Números cada vez mais altos em uma velocidade impressionante. Ainda assim, era uma situação que parecia estar tão distante, lá na China.

Pouquíssimo tempo se passou e o tal vírus chegou na Coréia do Sul, em Singapura, no Japão, se espalhou pela Ásia. Devo dizer que notícias que envolvem o Japão me despertam um interesse maior e chegam de forma mais fácil e frequente para mim. Foi questão de poucos dias para anunciarem que as escolas suspenderam as aulas, shows foram adiados e até as Olimpíadas estavam em risco. Nos meus grupos de whatsapp, amigos que moram lá relatavam sobre a falta de máscaras para comprar e as mudanças em sua rotina social.

Começaram a chegar relatos de pessoas com viagens marcadas a tempos para Ásia que cancelaram todos os planos. Ou de quem voltava de lá e contava como era séria e crítica a situação que eles estavam vivendo. Comecei a tentar entender o que era esse corona vírus que todos falavam tanto. Uma mutação de um vírus que já existia e que causa uma doença com sintomas parecidos com os da gripe. Nada tão crítico para pessoas saudáveis, mas perigoso para quem tem idade avançada ou outras complicações de saúde. Até aí, nenhuma grande novidade, já que uma gripe comum sempre foi problema para as pessoas desse grupo de risco. A principal diferença é a velocidade com que ele se espalha.

Pois é… esse corona vírus está estragando a viagem de muita gente e tem muito mais coisa envolvida. Não é só sobre não poder viajar.

É sobre atitudes preconceituosas

Enquanto tudo ainda estava concentrado na Ásia, aqui no Brasil um clima de pânico já começava a ser criado. Não sei se a mídia exagera demais ou se as pessoas não sabem interpretar as informações. Talvez uma mistura dos dois. E logo começaram a aparecer nas redes sociais as primeiras histórias de pessoas com fisionomia asiática que foram discriminadas. Porque chinês come morcego (alguém me diz de onde surgiu essa história??), porque chinês é sujo, porque chinês isso, chinês aquilo…

Eu não tenho nenhuma ascendência chinesa, mas aqui no Brasil chinês e japonês é tudo igual, né? (se você é do time que pensa isso, pare porque tá feio). Os brasileiros com fisionomia asiática foram todos incluídos na caixinha dos chineses que transmitem corona vírus por aí e alvo de piadinhas, comentários desnecessários e de discriminação. Vale lembrar que somos tão brasileiros quanto qualquer um que nasceu no país e até esse momento, o número de casos confirmados no Brasil era zero.

Esse corona vírus é um ótimo viajante e chegou na Europa fazendo a festa. Menos de mês e a Itália entrou em uma crise que ninguém esperava, não só com problemas na economia, mas criticamente na área da saúde. Imagina o peso em cima de um profissional que precisa escolher quem pode viver e quem vai morrer porque o sistema não suporta todos os que precisam de atendimento. Uma decisão difícil, pra não dizer injusta. Muito triste!

E foi da Itália que o corona vírus pegou uma carona com alguém (ou alguéns) e chegou no Brasil. Era questão de tempo. A gente sabia que ele ia chegar sem ser convidado. E pode parecer um pensamento errado, mas me deu um certo alívio ele ter chegado via Europa e não via Ásia. Ou via África.

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Band Notícias, de 05 de fevereiro de 2019

Semana passada eu, brasileira e descendente de japoneses, estava no metrô de São Paulo. Entrei no vagão e fiquei perto da porta, mas em uma determinada estação muita gente embarcou e eu fui para o meio do vagão. Percebi que a mulher ao meu lado pegou uma blusa e cobriu o nariz e a boca. E assim ficou por um tempo. Sei lá, né? Muita gente em um mesmo ambiente. Duas estações depois essa aglomeração aliviou um pouco e eu voltei para perto da porta, já que iria desembarcar em breve. Ela me encarou e descobriu o rosto.

Duas semanas antes disso, estávamos em 4 pessoas em Belo Horizonte. Quatro brasileiros de descendência japonesa turistando pelo mercadão. Um pessoa nos viu e disse: “chineses. Corona vírus”. E também cobriu o rosto.

O que falta nessas pessoas? Informação? Educação? Noção? Bom senso? Empatia, com toda certeza! Estamos todos juntos, no mesmo barco e no mesmo cenário. Devia ser hora da gente se unir e não discriminar. Queria ouvir depoimentos da comunidade italiana e saber quantos dedos foram apontados para eles, os culpando por esse vírus ter chegado ao Brasil, mesmo eles não tendo saído do país nos últimos meses.

É sobre o caos na economia

Lembro claramente do dia 25 de fevereiro. Dia que eu embarquei de SP para BH e também quando o primeiro caso de covid-19 foi confirmado no Brasil. Aquela situação que parecia tão longe, que estava lá na China, enfim chegou aqui. Era o começo do caos, não se falava de outra coisa nos jornais e nas mesas de café da manhã. Ao mesmo tempo, nada mudou e todos seguiam sua rotina como um dia qualquer.

Uma semana depois, estávamos em uma mesa de bar supondo se seria necessário ou não pensar em cancelar o evento que estamos organizando. Quanto tempo essa bagunça, que nem tinha começado, iria durar? 2 meses talvez? Quais seriam os impactos?

Mais 15 dias se passaram e nesse tempo a brincadeira virou pandemia. Hoje temos algumas centenas de eventos cancelados ou adiados, museus e centros culturais de portas fechadas, escolas com aulas suspensas e shoppings e academias sem atividade. Países fechando fronteiras e incontáveis viagens sendo canceladas ou postergadas. Pessoas se trancando em casa, em home office, que não circulam mais nas ruas, não comem fora e se divertem no Netflix.

O significado de pandemia bem que podia ser esse!

Turismo, entretenimento e eventos fazem parte do meu dia a dia e venho acompanhando as notícias com frequência. Me dá uma tristeza sem tamanho ver essa situação. Cada orientação da prefeitura ou do governo de cancelar ou fechar alguma coisa me dá um aperto no coração. Cada comunicado de evento que não vai mais acontecer me dá vontade de chorar. Tem muito trabalho, esforço, dinheiro e tempo indo por água abaixo por causa de um vírus que a gente nem sabe que cara tem. Medidas necessárias sim, mas não deixa de ser triste.

Com a cidade parada assim, imagine o quanto de dinheiro deixa de circular. Com tantos cancelamentos de viagens e eventos, quantos reembolsos estão acontecendo? Empresas pequenas e autônomos não tem caixa para ficar 2, 3 meses parados. Teremos portas fechando e gente perdendo emprego. Demissões em massa vão acontecer, começando pelas empresas que dependem do turismo.

E quando esse período de reclusão terminar, o que teremos? Todo mercado de turismo e entretenimento querendo recuperar o tempo perdido, uma agenda caótica de eventos disputando a mesma data, todos os prestadores de serviços desse mercado sobrecarregados e um monte de gente sem emprego, sem dinheiro e, possivelmente, endividada que quer participar de tudo isso, mas não vai poder. A economia vai levar um tempo para se recuperar. Toda essa situação vai ser linda! #sqn , obviamente.

É sobre pensar coletivamente

O tanto de notícias e fake news circulando sobre esse assunto não é pouco. E o tanto de gente que não segue o que deveria (ou segue o que não deveria), muito menos. De novo, não sei se é a mídia ou as pessoas. Ou a mistura dos dois. Os brasileiros gostam de ir contra as regras ou de criar pânico onde não precisa.

“Eu vou pro hospital por você e pelos seus. Você pode ficar em casa por mim e pelos meus?”. Vi essa frase representando os profissionais de saúde e circulando nas redes sociais. Não sei a autoria, mas… é isso. Tem gente que insiste em circular pelas ruas sem necessidade, acha que a dispensa da escola é férias e está se revoltando porque não pode ir na academia, porque a festa foi cancelada, porque te olham torto se você vai jantar fora, porque teve que adiar a viagem. Tem gente que está andando por aí porque não faz parte do grupo de risco ou porque se sente bem de saúde. “É só uma gripe”, pra que tanto alarde?

Que tal parar de olhar só pro seu próprio umbigo e ver o motivo maior de tudo isso? Muito já se falou de diminuir a curva de pessoas infectadas para que todos que precisarem possam ser atendidos nos hospitais. Se você pode ficar dentro de casa, pare de circular pelas ruas. É isso que vai evitar de chegarmos naquela difícil e injusta decisão que os profissionais de saúde da Itália estão fazendo: escolher quem vive ou quem morre.

Outra foto que viralizou. Não sei qual a fonte original.

Por outro lado, tem os que são paranóicos. Esse não é o fim do mundo. Não é o apocalipse. Você não vai ser infectado só de pisar fora de casa. Se você tiver a covid-19, as chances de morte são baixas. É importante todos tomarmos os cuidados necessários, mas criar um ambiente de pânico não ajuda. Se você comprar todas as máscaras para se proteger, quem realmente precisa usar não vai ter. Se você for no mercado e comprar um estoque de comida e materiais para 2 meses, alguém vai ficar sem. O comércio não está preparado para abastecer a casa de milhões de pessoas por tanto tempo de uma vez só. Já estamos com falta de álcool gel e papel higiênico nas prateleiras (quem disse que covid-19 dá piriri??). O que vem depois??

A situação não está fácil e ela tende a piorar, mas temos que entender que nessas horas a gente precisa se ajudar. Cada um contribui um pouco e pensa no amiguinho também, assim juntos vamos sair mais rápido e mais fortes de tudo isso. Tem um tanto de gente morrendo, pessoas perdendo empregos ou fechando as portas dos seus negócios, o sistema de saúde sobrecarregado sem conseguir atender todo mundo… e é sério que você tá ai preocupado em fazer estoque de papel higiênico ou putinho porque não pode ir na academia e vai engordar? Me poupe! Vamos parar de olhar só pra si e reparar que tem mais gente nesse mundo??

É sobre o distanciamento social

A sociedade se proibiu dos apertos de mãos, dos beijos e abraços. Cumprimentar as pessoas à moda japonesa, com uma reverência, nunca fez tanto sentido aqui. Distância física agora é regra. Pelo menos 1,5m de uma pessoa para outra. Ontem jantamos em casa, cada um em uma ponta da mesa. E com essa história de todo mundo ficar dentro de casa, a vida social meio que morreu.

Eu não sei você, mas eu sou uma pessoa até que bastante conectada. Estou online com grande frequência e resolvo uma vida com as ferramentas tecnológicas que temos hoje. Essa semana todas as reuniões que costumavam ser presenciais foram por Hangout. É prático, resolvemos tudo o que precisava sem sair de casa, sem perder tempo com deslocamento e sem o risco de se infectar ou infectar outras pessoas.

Depois de uns 3 ou 4 dias sem sair de casa, eu acordei com uma sensação de “eu desacredito na humanidade”. Passei o dia todo com vontade de fazer nada, meio pra baixo. Achei que era overdose de notícias de corona vírus e seus impactos e tentei passar um tempo sem abrir os links ou buscar informação (o que durou só algumas poucas horas. É impossível, não se fala de outra coisa em qualquer lugar online). Cheguei a conclusão que o fator econômico não é nada favorável, mas o que pesa pra mim é o lado social. E no fim, os dois andam de mãos dadas (ah, não. Mãos dadas agora não pode mais. Eles andam lado a lado, com 1,5m de distância).

Eu sou a pessoa que passa 29 dias do mês na rua e que agradece quando tem 1 dia pra descansar em casa, mas já acha que 2 dias é demais. Em tempos de reclusão social, as tecnologias ajudam muito, sem dúvida nenhuma, mas não é a mesma coisa. “O fator humano nunca será substituído pelas máquinas”, foi o que eu escutei em uma palestra sobre tecnologia e inteligência artificial, e isso nunca fez tanto sentido!

A relação entre pessoas nunca será substituída

A gente só percebe mesmo a importância das coisas quando as perde, né? Confesso que eu não aguento mais ficar em casa e queria estar no bar tomando cerveja com meus amigos. Eu entendi que preciso ver gente, estar com gente, mas… motivos de força maior me mantém por aqui.

É muito triste ver tudo isso. Ruas vazias, estabelecimentos fechados, eventos cancelados, hospitais super lotados. Quantos sonhos, quantos planos, quantos anos de dedicação, quantas vidas se vão com tudo isso? Já não podemos encontrar as pessoas que a gente gosta e quando isso acontece, tem a tal distância de 1,5m e cumprimentos de cotovelo. Tá tudo errado, gente!

Estamos falando em medidas para evitar a propagação do corona vírus, mas quantas pessoas nesse país vivem em condições em que isso não é possível? Como uma família de 5 ou mais pessoas e que divide uma única cama vai manter 1,5m de distância um do outro? Com que dinheiro eles vão comprar o álcool gel que agora triplicou de preço? Como vão lavar as mãos com frequência se eles têm que escolher se a pouca água que tem vai ser para beber ou escovar os dentes? Tem alguém olhando pra essas pessoas invisíveis da sociedade nesse momento? De novo. Tá tudo errado!

A situação é crítica e eu não consigo falar de lugares lindos e experiências marcantes nesse momento. Esse é um blog de viagens. E faz parte de viajar saber olhar pros outros, entender outras formas de pensar e saber conviver em equilíbrio com o mundo.

Acho que esse tal corona vírus veio pra ensinar pro planeta que algo de errado não está certo na humanidade. Como um ser tão pequeno e que nem é tão forte assim pode ser tão rápido e parar o mundo todo? Nós vamos aprender da forma mais difícil que ninguém é melhor ou pior que ninguém. Que a vida de cada um tem sua importância. Que relacionamentos reais não são construídos por interesse. Que somos todos frágeis individualmente, mas podemos ser muito fortes no conjunto. Que podemos nos reinventar para melhor. E que o planeta precisava desse tempo de descanso para ele (o que estamos fazendo com o nosso mundo??).

Essa é só uma fase ruim. Tudo isso vai passar, a economia vai se recuperar, vamos voltar a viajar. E que lição teremos tirado desse caos todo? Vamos aprender e mudar essa situação juntos. Essa é a hora de compartilhar o álcool gel e sim, darmos as mãos uns para os outros.