Comer, viajar e o tal do slow travel

Você talvez já tenha ouvido falar no termo slow travel, o que traduzindo ao pé da letra seria “viajar devagar”. Esse termo que começou a crescer nos últimos anos vem para bater de frente com toda a correria em que vivemos, a necessidade de aproveitar 15 dias férias para conhecer 10 cidades diferentes e cumprir todo aquele check list das principais atrações de cada lugar e das fotos imperdíveis que não podem ficar fora do seu instagram.
Mas o que tem de errado nisso? Nada. Não há nada de errado em querer aproveitar as férias para conhecer ao máximo uma região e fazer todos aqueles tradicionais programas turísticos que estão listados no Lonely Planet, conhecer os restaurantes com estrela Michelin e visitar os locais mais bem recomendados pelo Trip Advisor. A ideia aqui é te mostrar que essa não é a única forma de viajar. Estilo, cada um tem o seu, certo? Isso vale para roupa, pra comida e vale para viagens também.
Sobre comer e viajar
Como o termo slow travel não é assim tão conhecido, vamos começar falando de comida para exemplificar. Fast food. Esse você com certeza já ouviu falar, né? Fast food, ou comida rápida, surgiu exatamente para facilitar a nossa vida corrida e o termo caminha lado a lado com essa necessidade de fazer tudo ao mesmo tempo. Você sai do escritório e tem 1 hora de almoço para comer, ir ao banco, trocar aquela roupa que ganhou e não gostou e comprar o presente de aniversário da sua cunhada. Para não perder tempo, passa ali no shopping e pede um sanduíche para comer rapidinho e dar tempo de fazer todas as outras coisas antes de voltar a trabalhar. Não confunda fast food com junk food, a comida rápida também pode ser um prato de comida bem balanceado e nutritivo. No geral, todos eles funcionam da mesma forma – você entra na fila, escolhe entre as opções do cardápio, paga, as vezes ganha uma senha numérica, pega sua comida, leva até a mesa e mata a fome. O cardápio geralmente já tem seus combos ou pratos prontos e não são muito flexíveis, especialmente nas promoções, ou cobram por qualquer alteração do menu original.
Para quem quer uma refeição com mais conforto, mais tempo e mais flexível, a alternativa é ir em um restaurante. Você senta e o recebe o cardápio, que provavelmente tem mais opções de escolha. A flexibilidade também é diferencial, afinal você pode trocar o molho ao sugo por molho branco, pedir a sua salada sem tomates e escolher o ponto da carne, geralmente sem nenhum acréscimo. Você tem um garçom para te atender, para sugerir pratos e não precisa esperar chamarem a sua senha, carregar bandejas ou entrar na fila para pedir um prato extra ou a sobremesa. Com isso, você realmente aproveita o momento da refeição para saborear a comida, conversar e por um tempo, deixa os problemas e a correria do dia a dia de lado. É claro, você paga por isso, já que um restaurante é mais caro que o fast food do shopping. E dependendo do restaurante, essa diferença é bem considerável.

Ainda há outra opção que é cozinhar em casa. Essa é, com certeza, a mais flexível de todas, uma vez que você pode escolher todos os ingredientes, alterar quantidades, temperos, por mais daquilo que gosta e tirar o que não curte, ou seja, fazer do jeito que você quer. Como você vai, provavelmente, comer na sua casa, é a que proporciona maior conforto, menos preocupação com etiquetas e regras sociais, com horário etc. É também a opção mais em conta e a que vai exigir mais tempo e dedicação já que tudo depende de você – das compras no mercado ao preparo da mesa, sem esquecer da louça suja.
Veja que comparamos as 3 opções (fast food, restaurante e cozinhar em casa) nos quesitos preço, flexibilidade (no sentido possibilidade de personalização) e tempo investido. Existem outras diferenças, mas vamos utilizar essas como base de comparação.
Já falamos de comida, agora vamos falar de viagem. E como falamos lá no começo do post, existem diferentes formas de viajar, assim como existem diferentes formas de comer. Vamos começar pelo famoso pacote de viagem, que equivale ao fast food. Você decide para onde quer ir e vai em uma agência para ver o que eles têm a oferecer para esse destino. Geralmente são pacotes com datas específicas, passeios e hospedagem já definidos. Aquele que a agência define o seu vôo, a hora que você sai do hotel, o que você vai fazer cada dia, onde vai comer, onde vai fazer compras e até qual o momento de ir ao banheiro. Você escolhe o pacote, paga e a única preocupação que tem depois disso é arrumar as malas. Simples, rápido e prático, mas com pouca flexibilidade.
Se você quer fugir do city tour no ônibus, de seguir bandeirinhas e passar as férias toda com o mesmo grupo de pessoas que não conhece, que tal um roteiro personalizado? Você escolhe quando e onde ir e a agência te dá sugestões do que fazer, onde ficar etc. Você define todo o roteiro de acordo com o seu tempo e gosto pessoal e tem um agente de viagens que irá te auxiliar de forma mais pessoal, caso tenha qualquer problema – seja no hotel, nos passeios ou no transporte. Por não ser uma viagem em grupo grande, você tem muito mais autonomia para definir algumas coisas (onde comer, por exemplo), sem falar no tempo que não perde esperando as pessoas se reunirem e pode aproveitar fazendo outras coisas muito mais interessantes. É uma opção com boa flexibilidade, porém com um preço mais salgado, afinal você paga para a agência fazer todo o planejamento para você. É como ir a um restaurante.
A terceira opção é fazer tudo por conta, assim como cozinhar em casa. Flexibilidade total! Você define tudo do seu jeito e descobre que existe um mundo a parte que as agências não te contam. Hospedagens alternativas, transporte local e passeios fora do circuito turístico. É a opção mais barata e flexível de viagem, mas a que vai te demandar mais tempo. Tudo é por sua conta e risco – planejamento, escolha de hospedagem, passeios etc, inclusive resolver qualquer problema que venha a aparecer.

O tal do slow travel
E o que tudo isso tem a ver com slow travel? É só viajar por conta própria para fazer parte desse movimento? Não exatamente. Bom, começamos falando de comida porque o movimento slow surgiu daí, com o slow food, na década de 80. Ele prega pelo prazer na alimentação, de forma saborosa, saudável e com qualidade, sem prejuízo para o meio ambiente e com benefícios para toda a cadeia, desde o pequeno produtor, e grande foco na conscientização dos impactos que nossas escolhas alimentares causam no mundo. Para saber mais, acesse slowfood.com ou slowfoodbrasil.com.
Já dizia o ditado que a pressa é inimiga da perfeição. E também que devagar se vai mais longe. O slow travel propõe exatamente isso: desacelerar durante a viagem. Passar menos tempo voando, se deslocando, em filas e correndo atrás do check list de pontos turísticos para aproveitar o lugar de forma mais profunda. Isso não tem tanta relação com a duração da sua viagem, mas sim com como você utiliza o seu tempo durante ela. Você pode ser um slow traveler em uma viagem de 10 dias e não ser em uma de um mês.
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Confuso? Vamos imaginar a seguinte situação: o Joãozinho tem 15 dias de férias e comprou uma passagem para Londres. A Escócia e a Irlanda ficam ali pertinho, então ele aproveita para conhecer Edimburgo e Dublin. Já que ele está na Europa, porque não visitar Amsterdam, Bruxelas e Paris, que também não estão muito longe? E assim ele conheceu 6 cidades em 15 dias, o que dá 2 ou 3 dias para cada uma delas. Mas… pera, será que conheceu mesmo? Ou só passou pelos pontos mais famosos? E se Joãozinho utilizasse esses 15 dias apenas em Londres? Isso seria desperdício de tempo ou uma forma de realmente conhecer a cidade além do seu lado turístico?

O movimento slow travel incentiva exatamente isso, a permanência prolongada em um mesmo lugar para criar conexão com o local, com a cultura e com as pessoas. Desfrutar da viagem, aproveitar o momento sem a neura de cumprir listas de atrações, esquecer o estresse da rotina, enfim, estar presente e sem pressa. A Klécia, do blog Fui ser Viajante, também é adepta do slow travel e tem seu manifesto.
E como se inserir nesse tal de slow travel?
1. Planeje sua viagem por conta. A conexão com o local começa já nessa fase. Faça pesquisas, conheça mais sobre o lugar, entenda como é a cultura e costumes, tente contato com alguém que more lá. Nada de agências que vão fazer esse trabalho por você e te vender apenas passeios turísticos.
2. Resista a tentação de tentar conhecer tudo o que tem na região já que vai estar ali por perto. Menos é mais. Não faça roteiros muito detalhados e deixe espaço livre na sua programação, tenha certeza que você vai encontrar o que fazer. E olha o lado bom, quanto menos deslocamento, mais barato vai ficar o seu orçamento.
3. Opte por transportes terrestres ao invés de sempre voar. Da janela do ônibus você vai ver o verdadeiro local, fora daquela área que só tem o que querem mostrar para os turistas. Trens e ferries são boas opções também. Vá sem pressa de chegar, conecte-se com o momento.
4. Fuja dos hotéis, principalmente os das grandes redes. Eles têm um modelo padrão de estrutura e atendimento no mundo todo. Com certeza isso não é conexão com o local, mas sim se manter dentro da bolha que você já conhece e evitar o contato com o novo. Que tal uma guesthouse? Ou alugar um apartamento? Ou se hospedar na casa de um local?
5. O mesmo vale para sua alimentação. A não ser que esteja na Itália, evite massas e pizzas todos os dias. Redes de fast food, nem preciso comentar, certo? Vá nos lugares onde os locais vão. Experimente a comida de rua. Conheça os mercados locais.
6. Converse com os locais. Não há melhor forma de conhecer a cultura, costumes e a rotina do lugar, senão conversando com quem mora lá. Além de aprender um monte de coisa nova, tenha certeza que você vai sair com um monte de recomendações de lugares e restaurantes fora do circuito turístico para conhecer e dicas gerais das redondezas.
7. Envolva-se com a comunidade. Que tal participar dos eventos e festivais locais? Já pensou em fazer trabalho voluntário enquanto viaja? E por que não descobrir grupos que tem interesses parecidos com o seu e trocar figurinhas? Você vai absorver muito conhecimento e aprender muita coisa nova enquanto viaja e será que não dá para deixar sua marquinha também?
8. Incentive os pequenos da cadeia. Contrate guias das comunidades locais, eles têm muito mais vivência e conhecimento do lugar que os guias de grandes empresas que fazem todos os tours. Compre souvenirs artesanais para presentear os amigos e guardar lembranças, evite os produtos “Made in China”. Explore os pequenos comércios.
9. Veja o tempo passar sem peso na consciência. Nada daquela história de estou dormindo em dólar ou respirando em euros. Tire uma manhã para por o sono em dia se for preciso. Passe uma tarde sentado em um café e veja o movimento da rua. Compre um sorvete, sente no banco da praça e veja o dia passar. Entenda como as pessoas se comportam no dia a dia e reflita sobre o que é diferente da sua rotina, por que e quais as consequências disso.
10. Aprenda a língua local com os locais. Nem que seja apenas o básico bom dia, boa noite, olá e obrigado. Isso demonstra seu interesse pela cultura local, gera empatia e cria conexão.
11. Dê chance para o inesperado. Lembra que não é preciso planejar cada minuto e vale deixar tempo livre? Ande sem rumo e se perca nas ruas da cidade. Encare aquele imprevisto como uma aventura e uma oportunidade de conhecer algo novo. As melhores histórias surgem nesses momentos.

O processo pode ser gradativo, não precisa radicalizar na primeira vez. Você ainda pode encarar a fila para subir o Empire State quando estiver em Nova York, mas se não der, não se sinta mal por isso. O importante é viajar de forma consciente, aproveitando o momento e se conectando com o lugar.
Vale lembrar que não tem certo e errado, apenas estilos diferentes de viajar.
E você? Curte o slow travel? Qual é o seu estilo?
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24 Comments
Normalmente sou adepta do Fast Travel, não consigo ficar parada… Mas essas férias estou em Sydney visitando meus amigos do intercâmbio e minha host family, ou seja uma viagem bem mais caseira. Estou curtindo bastante, é bom não ter horário ou uma lista de coisas para fazer!
Beijos
É uma forma diferente, né??
Conhecer menos lugares, mas de um jeito mais profundo e mais local.
Que saudades de Sydney! <3
Muito bom esse estilo de viagem Patrícia. Gosto de planejar meu roteiro mas com coisas que quero fazer, não fico preso aos horários. Parabéns pelo post!
Obrigada, Lucas!
Eu também gosto de fazer meus próprios roteiros e tirar o que não me interessa muito, mesmo que seja um lugar super conhecido.
Que delicia de texto!! Ainda estou a uns passinhos do slow travel, mas caminhando para ele. Ainda sinto uma necessidade de “aproveitar” todo o tempo sabe, conhecer a maior quantidade de coisas e lugares possíveis.. duro é que as vezes acabamos não aproveitando tando. Dificil hahaha
Isso é verdade! Quando a gente quer fazer tudo ao mesmo tempo, fica aquela sensação de que não fizemos nada direito, né?
Já fiz viagens corridas, aproveitando cada segundo. No fim, achei que deveria ter feito menos e com mais calma.
Com o tempo a gente encontra a forma de viajar que mais se adequa ao nosso estilo!
Sinceramente só fiquei sabendo desse termo hoje kkkk. Mas meu estilo são passeios mais lentos rsrs
ahahahaha
Cada um tem o seu estilo, né?
Tbm gosto de ir devagar.
Muito interessante o conceito do slow travel. Sempre organizo as minhas viagens por conta, mas as vezes acabo exagerando um pouco no roteiro, preciso tentar praticar mais isso, equilíbrio, tentar aproveitar o lugar mais devagar.
Equilíbrio é sempre a palavra chave.
Nem muito, nem pouco. Nem rápido, nem devagar. E cada um tem um ponto de equilíbrio diferente, né?
Tem que ir testando para encontrar o seu.
Meu Deus, Patrícia eu amo o seu blog! Que texto perfeito! Procuro sempre planejar as nossas viagens também e não sei se me encaixo em slow travel ainda, mas adoro fazer isso, conhecer bem os lugares onde estou, mesmo quando não dá tempo de fazer o que planejamos, até parei um pouco de encher os roteiros, pois meu marido (ele nem sabe) vive falando: “menos é mais, você põe tanta coisa pra gente fazer que têm hora que nem dá pra aproveitar”. Pronto, ele tem razão! Amei o seu post, dá pra refletir e ver exatamente o que é importante.
Um beijo!
Que comentário lindo, Paula!!! Amei!!
É isso mesmo, menos é mais. É bom deixar um tempinho para o acaso, para algo não planejado. Tem que achar o equilíbrio e isso tem que testar até encontrar. As vezes a gente acerta, as vezes não… mas é sempre uma experiência válida, afinal viajar nunca é demais, né??
Eu sempre curti muito conhecer mais das pessoas locais, dar uma chance aos imprevistos.. Mas confesso que conheço o máximo de coisas que dá. Tenho tetando slow travel em alguns destinos e to curtindo. Acho que é a forma de realmente descansar em uma viagem, né? A gente corre tanto que precisa de férias de novo quando volta, haha.
Katarina é das minhas! ahahah
Já voltei das férias cansada muitas vezes, mas com outra cabeça. Viagens fazem isso, certo?
O importante é entender e respeitar o seu ritmo. Ai tudo flui bem!
slow food é tudo de bom!! acho magnífico essa ideia, principalmente se o restaurante controle tooodo o processo! o sabor é muito melhor, tem mais amor e dedicação!
eu demorei um pouco para conhecer os benefícios do slow travel e agora virei adepta. prefiro muito mais conhecer beeem um lugar do que sair correndo, atropelando geral sem poder curtir de verdade a cultura local!
Mais uma das minhas!
Confesso que minha experiência com slow food não é muito grande, preciso explorar mais. Acho o conceito muito legal, mas está faltando prática da minha parte.
Slow travel sou bem adepta!
Concordo super que cada um escolhe o estilo de viagem que melhor corresponde com a verba e o objetivo da viagem. Pessoalmente eu prefiro o slow travel porque na minha opinião é ele que permite conhecer um lugar X e a cultura local. Não gosto muito de ser “turista”, gosto de observar e absorver as diferenças. Porém deteeesto organizar, sou mais do time do improviso. Meu marido já adora planificar tudo – ainda bem que encontramos o nosso “meio termo” kkk.
Beijos,
Ju
hahahaha… é preciso encontrar o meio termo em tudo! Ainda bem que vc e seu marido conseguiram se entender nesse ponto.
Cada um tem seu estilo, suas necessidades e expectativas em uma viagem, assim cada um sabe a melhor forma de seguir. Acho que precisamos estar abertos para conhecer jeitos novos. Conhecer é sempre bom!
Ola Patricia, achei o seu texto muito inspirador, até porque venho fazendo essas mesmas coisas já há algum tempo, eu sempre tento ajudar os locais e conhecer mais da cultura de cada lugar que vou, agora o que eu mais gosto é de ter meu tempo pro lugar, sair sem rumo e conhecer o que vier à frente! Já comentei, mas repito, o seu blog foi uma ótima supresa, minha irmã está montando a volta ao mundo e está adorando ler tudo por aqui! Abraços
Obrigada, Flávia!
Ter nosso próprio tempo e dar a chance de coisas diferentes acontecerem é algo que eu tbm valorizo demais.
Se sua irmã tiver alguma dúvida, pode falar comigo. =]
Adotei o slow travel e não largo mais <3. Às vezes a gente perde alguns pontos turísticos, mas ganha muito em experiência nos lugares que visita. Sempre compensa nas histórias que a gente acumula na bagagem <3
Experiências são as melhores coisas que a gente traz de uma viagem. Por mais bagagem nas nossas memórias! <3
Estou vivendo isso, no momento. E é muito prazeroso poder andar por ruas que não são tao concorridas por turistas.
Certo dia, sentei em um banco para anotar minhas memorias de viagem, e me senti o Forrest Gump, pois as pessoas sentavam, saíam… E eu ainda estava lá. Foi muito interessante! =)
É uma visão diferente de viagem, não é?
Quando vc deixa o check list turístico um pouco de lado pra, de fato, ver o local como ele é.